182 por Maria Carvalho - SEMANA 20
Penso ser fundamental publicarmos opiniões distintas, sou uma apaixonada pelo ATS, tanto o in natura, quanto as fusões que se originam a partir de seus movimentos e possibilidade infinitas, contudo há quem pense diferente, vejamos a ótica de Yasmela:
"No início dos anos 80, um gênero totalmente novo, American Tribal Style ou ATS, nasceu. Este estilo é pura fantasia. Ele se baseia apenas marginalmente nos movimentos autênticos e defende uma visão americana do que é exótico. Infelizmente, cria sua própria mitologia sobre suas origens e, inadvertidamente, perpetua o imperialismo cultural, do qual pensava erroneamente, que estávamos prestes a emergir. No entanto, essa mudança na dança não é diferente das mudanças que ocorreram nos países de sua origem. Baseado em movimentos selecionados, o ATS combina dança oriental, flamenco, dança indiana e um pouco do estilo moderno de Isadora Duncan e Ruth St. Denis. Os primeiros três destes estilos, são conseqüências das migrações e expansões islâmicas, então as conexões são lógicas. A inserção da Dança do Oriente Médio, com os dois últimos (estilos modernos) é exclusivamente ocidental. Voltada para uma experiência de grupo, ele se baseia em sinais visuais e transições, na tentativa de criar uma linguagem comum de movimento repetitivo.
A ênfase é removida da dançarina/indivíduo e sua interpretação da música é deslocada para uma forma mais orgânica, quase espiritual, refletindo de forma indireta e um tanto surpreendente, as raízes da dança na cultura folclórica de aldeia.
ATS é frequentemente dançada com ritmos de um tom só (monótonos), carentes do aumento melódico, tão típico da música clássica e popular do Oriente Médio. Move-se para uma versão simplificada de sua mãe. Empregando o exótico figurino "tribal", oferece um banquete visual fascinante e um estilo de performance, embora restrito, altamente interpretativa. Basta olhar para as saias volumosas, muitas vezes usadas em camadas sobre pantalonas, para concluir que o uso dessas camadas de saias é para esconder as pernas e pélvis, e é uma reminiscência das saia exageradas da era vitoriana, quando uma sociedade civilizada, evitava completamente a referência às mulheres, abaixo da cintura. No ATS toda a área inferior do corpo é processado neutro ou estritamente controlada, e nosso foco é pressionado, mais uma vez, para parte superior.
Mudanças de movimento são iniciadas por um líder e no ATS, o líder também muda, numa tentativa de criar uma forma não-competitiva, sem uma única liderança. O ATS, como nas danças folclóricas das aldeias, está focado no desejo de unidade e inclusão. Existem algumas diferenças sutis, no entanto. No ATS a é estritamente regulamentada e não está aberta a camaradagem de grupo casual, que está envolvida comemoração de diferentes gerações e gêneros, na vida da aldeia. Apesar de suas afirmações do contrário, sua própria hierarquia, gerou normas estritamente regulamentadas.
Ao contrário de dança solo do Oriente Médio, a ênfase é deslocada para longe da interpretação musical, voltando-se para um estímulo visual, experiência do grupo e exclusão da platéia. Na verdade, o ATS tornou-se o seu próprio público.
Na superfície, ATS parece responder ou satisfazer algumas das dicotomias propostas pela percepção da bailarina como objeto sexual. Mulheres ocidentais têm todos os tipos de sentimentos mistos sobre a sua sexualidade; ou seja, [quero] [necessito] ser percebida como atraente e desejável, mas não como um objeto sexual. Há uma separação definitiva entre a mente e o corpo para a mulher americana. Por alguma razão, os americanos (os ocidentais?) têm dificuldade em conciliar sexo e inteligência ou sexo e espiritualidade. Queremos que o sexo saudável despojado de suas conotações confusas, ou não queremos falar ou pensar sobre isso, e certamente não exaltá-la em público através da dança! Muita paixão nos deixa fora de controle. Do lado de fora, ATS parece cumprir nosso anseio pelo exótico, isentando-nos de certos movimentos de mau gosto ou de risco, que poderiam ser interpretados como vulgar/ sexy. Invocando um antigo culto a Deusa sem nome ou imaginária, através de sua dança sagrada, as mulheres podem se vestir com a elegância pseudo-tribal e ligar-se a uma irmandade fantasiosa, que satisfaz uma sexualidade casta. A simplicidade e repetição do footwork, o foco no figurino e encenação, isentam a participante de olhar profundamente em sua própria alma. Ela é santificada e isenta, e parte de uma grande irmandade intocável. O movimento de Dança Tribal anula a base-terra inerente no Raqs Sharqi. Evita completamente o conflito do que pode acontecer na região entre as pernas, base da paixão e chakra da sensualidade. A dançarina não é encorajada a se conectar com o público, flertar, brincar, reproduzir ou mesmo exibir o conhecimento secreto que eu acho tão fascinante em bailarinas do Oriente Médio. Não há instigação, nem um convite excitante para participar destes mistérios. Há reverência/ respeito, mas pouco de desconforto, o tipo de desconforto ou provocação que se associa com a expressão artística. Nós vemos o mesmo quadro, com uma variedade de tipos de corpo, figurinos e cores, de novo e de novo, mas o verdadeiro artista está escondido de nós. E é improvável que seja revelada.
Acho que é interessante contemplar que a dança deu uma volta completa de uma forma estranha e não intencional. Depois ir para longe da união folclórica da aldeia na auto-expressão individual do Raqs Sharqi, o ATS parece estar empurrando dança do Oriente Médio, pelo menos nos EUA, de volta para a área segura e sem sexo, sem o real conhecimento do verdadeiro movimento popular.
Infelizmente, apesar dos laços de irmandade promovidas e tecidas nas dicas e transições do ATS, as mulheres ainda estão rotulando umas as outras, seja aberta ou sutilmente. A dançarina oriental em seu traje sedutor, por vezes berrante e reveladora ainda é a "mulher má". Ela flerta e seduz seu público, há emissão perigosa de convites para participar de sua paixão. Seus movimentos podem ser perturbadores, e em uma dançarina inexperiente, indevidamente instruído, de muito mau gosto. A dançarina tribal em seu turbante, ondulando saias é serva da deusa, uma sacerdotisa santificada que permite ao público observar sua dança, desprendida e despreocupada, com foco em comunhão com suas irmãs. Esta última atitude é a antítese dos objetivos da primeira. Fica-se a imaginar o que o povo do Oriente Médio pensam da nossa co-opção de sua dança. Vista de uma maneira antiga, mais original, se não até mais autêntica, a dança é um pouco estranha e desajeitada, cheio de movimentos sugestivos de brincadeira, que não deixam dúvidas sobre o que está sendo dito. Este não parece ser um problema para as pessoas que cresceram nas culturas que chamam isso de dança própria.
Por mais que eu aprecie e aplauda a evolução da arte e celebre a inovação, também lamento algumas mudanças de uma forma que é única e maravilhosa. Gostaria que pudéssemos encontrar algum meio-termo feliz, mas realmente a boa dança e excelente performance artística é a antítese do "meio-termo". Ocasionalmente vemos uma dançarina em um traje "étnico" ou "tribal" que move o público e se conecta com a música. Ocasionalmente vemos uma dançarina em bordados e Lycra colada, que faz mais do que isso, que realmente entende seu papel como artista e intérprete, e não um objeto de atenção. Cada vez mais, vemos menos opções e individualidade, enquanto nos colocamos em grupos e nos classificamos pelo traje. Ambos os lados buscam a ilusão de compreensão, utilizando atitude e exclusividade no lugar do verdadeiro sentimento. Talvez este seja um traço americano.
O ATS realmente não se trata de envolver a audiência, mas envolver os suas dançarinas-irmãs, e quem pode dizer se isso é certo ou errado? Certamente não eu. Ele só não é para mim, mas quando ainda dançava, ninguém teria me identificado como "cabaret" pelos padrões de hoje. Me escondo nas áreas de sombra, um limbo entre dois extremos, à espera que os estilos mudem novamente, ensinando técnica básica, no estilo tradicional, tentando inspirar, não ditar. Uma das minhas alunas, que passou para carreira profissional como bailarina e estudiosa, apelidou o estilo "etno-cabaret". Isso parece um termo tão bom quanto qualquer outro.
A dança oriental não se trata de ginástica musculares em Lycra e bordados, nem se trata de algo repetitivo, uma monotonia distante em um quadro bonito. Trata-se de interpretação artística e conexão, pedindo e convidando o observador a se relacionar com a música, movendo-os para um outro tipo de união.
O ATS pode ter tido suas raízes em alguma aldeia distante e se esforça para criar uma tribo moderna. Pode ser uma interpretação mais segura, menos perturbadora. Mas como meu amigo diria: "não é dança oriental!
E talvez não esteja tentando ser."
Putz, mandou como diriam meus amigos "merda no ventilador".
No próximo post comentários, afinal tem que parar e pensar, meditar e escrever.
Vamos que vamo
Xeros
Texto original:
Tradução livre - Maria Carvalho e Carine Würch
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