42 por Maria Badulaques - SEMANA 40
Tribalistas, a Paola nos concedeu uma entrevista super importante para nossa reflexão enquanto dançarinas. Falamos de Jamila, das influências e atmosfera de São Francisco e quanto isso impactou Carolena. Na importância de pensar fora da caixa, opa essa parte amei... você vai entender, acompanhe.
Um xero forte no suvaco, espero que curtam...estou com a cabeça fervendo!
"Eu conheci a Jamila em 2003 quando fui para São Francisco para participar em uma intensivão com a Suhaila.
Ela deu uma palestra sobre sua história na dança do ventre nos EUA, sua época de “Bal Anat”, e como ela passou o império dela para sua filha Suhaila. Ela mostrou slides e imagens e conversou com a turma por uma tarde inteira, passando muito conteúdo e historia para nós.
As Salimpours são grande fonte de conhecimento sobre a Dança Oriental, e são grande referencia para qualquer bailarina querendo aprofundar seu conhecimento e entendimento dessas danças.
Elas, junto com Ibrahim “Bobby” Farrah e a grande “Morocco” em Nova Iorque, foram realmente as indiscutíveis raízes de Dança do Ventre nos Estados Unidos. Vale a pena adquirir os vídeos de Bobby, o livro de Morocco, e o formato das Salimpours.
O formato Salimpour tem o gênio de ser a primeira codificação de todo vocabulário da Dança do Ventre.
E justamente como a Jamila teve um pensamento sistemático com o ensino da dança, ela também começou a sistematizar e simplificar o processo de improviso em grupo para o “Bal Anat”.
A partir disso fluiu o treinamento e vocabulário que, com tempo, viraram outros estilos como “Tribal”.
Uma aluna de Jamila, “Masha” formou uma companhia em cima deste método de improviso em grupo, e a Carolena Nericcio foi aluna dela.
Foi a Carolena que estabeleceu a linguagem Tribal e a marca “ATS”. Eu acho que o nome “Tribal” só emergiu depois da sistematização da dança por Carolena Nericcio nos anos 80.
Temos que lembrar que o estilo Tribal é um estilo Americano (American Tribal Style – ATS) e nasceu na Califórnia, o berço de cultura alternativa dos Estados Unidos, e francamente, para o mundo inteiro.
E um berço de criatividade, expressão, e liberalismo – uma terra fértil em todos os sentidos – de natureza e também do espírito livre.
A Isadora Duncan era de São Francisco.
Os hippies começaram em São Francisco, junto com toda revolução psicodélica.
Os ‘Modern Primitives’ ou ‘primitvos modernos’ também emergiram lá nos anos 70-80 com toda historia de tatuagens, piercings, e os vários modificações corporais.
Califórnia é sinônimo com Hollywood e show business: Rap, Hip-Hop, MTV... todas essas influências culturais e subculturais estão no contexto da dança, e informam seu momento histórico - então foram referenciadas, absorvidas e traduzidas no Estilo Tribal.
A própria Carolena Nericcio referencia o movimento “Modern Primitives” para o look de seu estilo.
Mas, afinal das contas, elas precisavam ter um nome que refletia o que elas realmente estavam dançando, e o nome “Tribal” emergiu para diferenciar elas de estilos tradicionais de Dança do Ventre.
"Temos que lembrar que o termo “Tribal” não significa uma dança de uma certa tribo, e sim de dançar improvisando em grupo com estilizações modernas de passos tradicionais de Egito, Algeria, Tunísia, Índia, e outras." (Paola)
Agora senta, respira e absorve:
"Eu viajo muito pelo mundo e cada ano faço turnês internacionais ensinando e dançando nos grandes festivais. Tenho sorte de prestigiar uma grande variedade de danças e estilos e vejo as variações de Tribal para toda parte.
Tem o “Steampunk”, “East Coast”, “West Coast” “Circus”, “Burlesque”, “Gothic”, “Dark”,“Goddess”, e outros estilos e aplicações do estilo Tribal. ATS continua muito presente no mundo, vejo ele sempre.
Como você podia imaginar, a gente eventualmente começa a ver a mesma coisa sempre se repetindo – isso é fato, e tem a ver com todos os estilos.
Já vi muito ATS e eu gosto dele feito nos espaços públicos. Quando participei no “New York City Dance Parade” com a PURE de Kaeshi Chai, a “Manhattan Tribal” dançou em nossa frente. A escola é de Mimi Fontana, e faz puro ATS com toda cor nos figurinos, snujs, e tal.
Eu gostei muito das formações e comunicação não-verbal das dançarinas, por que num grande desfile tem que se deslocar, parar, e se orientar a um público de dois ou três lados. Elas tinham repertório simples mais muito limpo e bem-executado, com todos os giros, paradinhas, pares e triplos se orientando ao publico dos lados, se juntando de novo no meio, e circulando.
Foi super legal para um espetáculo grande como este desfile em que dançávamos para mais que quatro horas nas ruas de NYC.
Na PURE, trabalhávamos em cima de um formato Tribal também, mas eu senti falta de interação entre dançarinas e variação nos passos. Afinal das contas, minha participação na PURE era de integrante e não coreógrafa. Minha tendência nas coreografias é de sempre incluir algum tipo de interação ou “conversa” entre as dançarinas, para dar mais vida a quadro total.
Eu não tenho muita ressonância com coreografias em grupo em que todo mundo fica olhando para frente fazendo sua própria mini-coreografia e sem conexão as outras presentes no palco ou espaço de dança." (Paola)
Neste momento, ontem, quando degustava dessa leitura me veio a mente, eu e a Natiii fazendo um duo no turkish e aquele breve instante em que os olhos cruzam parece que dizemos: "puxa vida, que felicidade tê-la comigo".
Pensei em todas ocasiões que dividi um palco com minha família da Dança Circular e senti ser invadida por um turbilhão de sentimentos que nem sempre sei por nome. A conexão!!!! Lembram dela?! Eis a rainha das técnicas, olhar e ver as pessoas a seu redor e se deixar conduzir.
"Eu gosto de ver uma apresentação sólida da técnica ATS, mas que conta com expressões e movimentos originais que expressam o espírito da musica – com pequenas variações, “surpresas” ou brincadeiras dentro.
Escolhendo uma musica Norte-Africana, por exemplo, eu gosto de ver aplicações da musicalidade e expressão da origem étnica da musica, não so umas formações ATS que já vi mil vezes.
Em inglês tem uma expressão “think outside the box”, que quer dizer “pensar fora da caixa”.
Nas artes, temos várias fases em que passamos durante o processo de domínio. ATS tem a família fundamental de movimentos, sinais, e formações que uma dançarina pode dominar – uma “caixa”.
A partir disso, a fase criativa na dança, seja em grupo ou solo ou “fusão”, vai depender do nível de curiosidade e estudo que a dançarina aplica fora do formato – “outside the box”.
Se ela entrou na Dança através de ATS, beleza. É um bom formato a aprender, mas afinal das contas é um “box” que alguém preparou para ajudar as dançarinas a dominar uma certa linguagem.
Tem um mundo lá fora cheio de historia, tradição, e folclore que pode enriquecer muito sua dança e levar ela a criar danças artísticas. Tem que estudar fora do formato.
Tem que apresentar musicalidade e expressão na dança, senão, para mim, ainda não é dança.
Dançar, para mim, não é sinônimo de “memorizar passos” ou “dominar técnica”.
Dançar é na descoberta do poço profundo de inspiração na expressão humana, em que o corpo interprete a mensagem do coração e alma.
A sagrada Isadora Duncan nos falou “domine a técnica para que a técnica nunca atrapalhar sua dança”, e eu mantenho este conselho muito próximo a meu coração.
Cada uma enxerga a dança através das lentes de seus valores.
E os valores que eu tenho como sagrados na dança tem a ver com musicalidade, intenção e comunicação através da dança – expressão.
Para ter isso, e importante estudar e respeitar as raízes das formas e músicas com que estamos trabalhando. As vezes no mundo de fusão, vemos uma apropriação superficial de estilos sem referencia ou estudo e as danças acabam sendo meio vazias.
Eu sei que o estilo Tribal tem forte apelo aos jovens hoje em dia, mas também acho fundamental o estudo das culturas tradicionais e modernas de que o Tribal leva seus vocabulários." (Paola)
Bem, não posso silenciar... muito embora o silêncio diga muiiito, mas neste momento preciso por pra fora...
O que me encanta numa dança, e me parece que não é uma impressão exclusiva, é quando, por mais simples que esteja a montagem que a dançarina tenha se proposto a pensar na música+figurino+passos de dança como um pacote harmônico. Não é pegar qualquer coisa, qualquer música e zaz tá aí o trabalho finalizado, não dá pra pegar a mistura de bolo pronta, tem que bater os ingredientes um a um.
Costumo dizer que não sou fã de Tribal Fusion, vou corrigir essa sentença não sou fã da fusão que vira confusão, da falta de identidade.
Faz o simples, deixa a macarronice pro domingão... mas entregue ao espectador o combo de emoções que ele foi procurar ao ir vê-lo.
Dê sua alma, ainda que a técnica não esteja totalmente impregnada em seu espírito, busque-a, detenha-a... e neste meio tempo descubra afinal onde você quer ir com sua dança!
Afinal, somos muito autocríticos (eu inclusa) e isto atrapalha demais o processo de entrega (doação)... precisamos ser escravos-libertos, lembrando sempre que as coisas perdem o sentido quando a cobrança supera o contentamento.
Estou procurando essas respostas também e juntos sairemos desse labirinto. Como dosar a busca frenética pela técnica, manter a autocrítica em níveis não prejudiciais a saúde e ser feliz neste processo uterino.
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